Semana passada, aproveitei umas incursões ao centro de Ubatuba pra começar a fazer alguns testes do que vai ser um mapeamento online do projeto Ubalab. Montei a câmera no guidão da bicicleta, preparei o OSM-Tracker no Android, liguei também o GPS logger que me foi emprestado pelo projeto Mapas Livres. Levei junto a capa de chuva, um moleskine pequeno, a caneta 4 cores. Não tinha nenhum objetivo específico para o mapeamento, e isso foi interessante. Parei em alguns lugares relevantes para marcar as coordenadas, tirar fotos, fazer anotações. Estou aprendendo bastante. Em especial, um aprendizado tardio da relação da bicicleta com a rua.
Certo domingo da minha infância, andava com meu pai no parque da Redenção, em Porto Alegre, quando fui atropelado por uma bicicleta. Uns meses antes ou depois, estava entre minha mãe e o então namorado dela na garupa de uma moto em um dia de chuva. A moto deslizou e caímos, os três juntos. Naquele dia eu tinha feito uma máscara com um prato de papelão, que eu vestia na hora da queda. Deve ser viagem minha, mas na época creditei à máscara o fato de não ter ficado com o rosto deformado. De qualquer forma, esses dois episódios me traumatizaram com qualquer tipo de veículo de duas rodas. Perdi algumas coisas da adolescência por isso, mas nem tanto. Foi só uns quinze anos mais tarde, depois de começar a namorar com a Carol, criada em Ubatuba, que me vi forçado a enfrentar essa falta. Aprendi a andar de bicicleta em uma praia esquecida, durante uma tarde cinza. Como manda a sabedoria popular, não esqueci mais.
Nessa quase década desde que aprendi, não cheguei a ter uma rotina ligada à bicicleta. São Paulo é impossível. Em Dresden eu ia todo dia de bicicleta pra aula de alemão, mas eram dez minutos pra ir e outros dez pra volta. Em Barcelona, não tinha bicicleta, e não tinha os papeles em ordem pra me cadastrar no Bicing. Foi só depois de morar em Ubatuba que a bicicleta virou um veículo para o cotidiano.
Mas existe uma sutileza que tem a ver com o peso da trilha, com os buracos do caminho, com olhar para frente e decidir a melhor rota em fração de segundos, que eu só estou praticando agora. A relação com a velocidade, uma sensação que me foi estranhamente alheia quando li o Mãos de Cavalo, de Daniel Galera. Ainda tenho relativamente pouca familiaridade com montar e desmontar da bicicleta, com o ritual de prender a corrente, essas coisas. Mas vou aprendendo.
É nessa linha que O aspecto fractal de qualquer mapeamento aparece mais claramente - percorrer qualquer rota é fazer um milhão de escolhas. Perspectivas importam, e muito. E isso é uma riqueza do processo.