No fim de maio, Ubatuba sediou o terceiro encontro nacional da rede MetaReciclagem, chamado nesta edição de Encontrão Hipertropical de MetaReciclagem.
Alguns dias antes do Encontrão, ainda estávamos tentando viabilizar a ida do Ônibus Hacker, que depois de uma avaria na estrada havia chegado a Paraty sob aclamação geral. O prazo foi curto demais para gerar resultados, mas no processo acabamos acertando que a oficina que estava sendo negociada pela Fundação Alavanca de Ubatuba com o Pontão Nós Digitais para acontecer em paralelo ao Encontrão seria oferecida aos sessenta alunos da Escola Técnica.
A oficina foi a primeira atividade do Encontrão. Ao longo da tarde de uma sexta-feira, os alunos da Etec instalaram software livre, tiveram um contato básico com possibilidades de produção de conteúdo multimídia e exercitaram um tipo de liberdade que não conheciam. Chico Simões, oficineiro junto com Felipe Cabral, conta que em determinado momento tinha uma fila de oito pendrives para criar discos de boot de Linux. Enquanto isso, chegava aos poucos a Ubatuba uma legião de metarecicleirxs, muito maior do que eu esperava. O Encontrão não teve nenhum tipo de apoio institucional de peso. Os parcos recursos disponíveis surgiram de uma vaquinha online lançada com menos de duas semanas de antecedência, além de parcerias com o coletivo Mutgamb e o núcleo Ubalab. No começo da noite, mais de quinze pessoas se encontraram perto da Câmara Municipal. Parte do grupo eram pessoas que haviam estado no encontro de Tecnomagias, em Mauá, no começo do mês. Havia também colaboradoras da próxima edição do MutSaz (que vai ser lançada semana que vem), além de nomes antigos da MetaReciclagem, alguns novatos e outros simpatizantes. No dia seguinte ainda chegaria mais gente. Contávamos também com a participação do Labmóvel, mas o motorhome teve problemas e não pôde descer.
No sábado, nos dirigimos à sede da Fundação Alavanca, ao pé da serra do mar. Parte do grupo foi ao centro comprar vegetais e peixes para o almoço (atividade coletiva que tomou boa parte da tarde). Outrxs montaram em um dos quiosques da Fundação um laboratório onde se dedicaram a montar antenas para tentar escutar navios ou interferências em satélites, um radiotelescópio feito com uma daquelas mesas de plástico de boteco, experiências com redes sem fio, uma oficina abeta sobre Openstreetmap e outras experiências espontâneas. Um grupo de alunos da Etec chegou em uma van, instigados para continuar o ritmo da tarde anterior.
A página com a programação do Encontrão foi, como alguns de nós já esperávamos, mais uma declaração de intenções do que um mapa de atividades e horários. As conversas que tinham sido planejadas para os dois dias foram condensadas em um momento à noitinha, puxadas por Henrique Parra. Iluminado por uma verdadeira gambiarra (no sentido português) e por um datashow apontado ao chão, um círculo de gente fez uma conversa aberta sobre temas diversos: Ubatuba, juventude, cenário político local, mata atlântica, redes autônomas, sonhos, desejos e projeções. Fiquei feliz quando os alunos da Etec se colocaram (principalmente a menina que falou indignada que "a juventude de hoje só quer saber de jogar CS e ver tirinha no facebook").
Na manhã de domingo, alguns alugaram bicicletas e dizem ter rodado 36km pela cidade, coletando trilhas de GPS que vão alimentar o mapa da cidade no OSM. O coletivo Mutgamb fez uma reunião de trabalho, enquanto outros grupos se espalhavam pelas praias e bairros da cidade.
Depois do almoço, nos movimentamos aos poucos até o Quilombo da Fazenda (que eu tinha visitado ano passado com Mbraz). Como tantos outros quilombos pelo Brasil, eles têm ali algumas questões complicadas - entre elas o relacionamento com o Parque Estadual da Serra do Mar, que envolve não só o quilombo como também boa parte da área da cidade (o que faz de Ubatuba recordista em preservação da Mata Atlântica no estado de São Paulo). O contexto do quilombo é muito bem retratado neste vídeo de David Calderoni. Nossa presença por lá, entretanto, estava relacionada a outro assunto: eles têm um telecentro que já recebeu o mobiliário e os equipamentos há mais de um ano, mas ainda não foi instalado. Conversamos bastante para entender as questões específicas do local. A história é conhecida: programas de governo bem intencionados, mas sem a estrutura necessária para fazer as coisas acontecerem a contento. Contamos com a mediação do casal que mantém o ponto de cultura dentro do quilombo, Léo e Edi, além de um educomunicador que vive em São Paulo, mas nasceu e se criou na Picinguaba, bairro próximo. Acabamos combinando de preparar uma imersão nos próximos meses. No meio-tempo vamos tentar ajudar com a burocracia ministerial. Se isso não funcionar, vamos levar outros computadores para deixar o telecentro funcionando, e aproveitar para ajudar o pessoal com ferramentas de produção multimídia. Quero também fazer por ali mais algumas experiências com redes autônomas sem fio, assunto que por sinal ressurgiu durante o encontrão, em conversas com Vincenzo Tozzi, que está desenvolvendo soluções de interconexão para a Rede Mocambos. Depois da conversa, o pessoal aproveitou para conhecer o cenário no entorno: o rio, um trecho da trilha do Corisco, a Casa da Farinha com seu moinho tradicional.
Voltamos à Fundação para um mutirão de limpeza, e ainda nos reunimos no fim da noite no restaurante da pousada em frente. Mostrei um pedaço de vídeo de 2009: quatro pessoas em um carro, tentando encontrar a rodoviária certa para sair de Ubatuba. O vídeo não tem muito valor estético ou comunicativo, mas é recheado de carga sentimental para mim. O episódio aconteceu no dia seguinte a meu casamento. Foi filmado por Daniel Pádua, que naquele dia estava acompanhado do Arlequim e do Daniel Duende, além do fotógrafo do casamento que naquele dia ainda fez as vezes de motorista perdido. Alguns meses depois, em um quarto de pousada de Arraial d'Ajuda durante o Encontrão Transdimensional, Pádua me pediu um pendrive no meio da madrugada. Por algum motivo, eu perdi esse pendrive e só fui encontrá-lo no ano seguinte, meses depois de Pádua ir embora desse planeta. Entre os arquivos que ele me passou estavam fotos desfocadas do meu casamento e esse vídeo.
Na sequência exibimos uma prévia de três vídeos sobre labs experimentais (em São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro) que estão sendo produzidos no âmbito da coleção Rede//Labs da plataforma Arquivo Vivo.
Nos despedimos ali, com aquela sensação de que o fim de semana foi curto demais, mas ainda nos encontraremos muitas vezes em outras formações temporárias. Fica a pergunta: onde e quando vai ser o próximo Encontrão?