No começo de fevereiro, depois de avisado por Beto Francine, resolvi conferir a Conferência Municipal de Transparência e Controle Social. Tentei descobrir a programação e o regimento antecipadamente, mas ninguém sabia informar a respeito. Perdi as datas de inscrição antecipada mas resolvi aparecer direto lá na Escola Anchieta. Cheguei alguns minutos antes do horário marcado, 19hs. O sol ainda estava alto, graças ao horário de verão. Descobri que só poderia me inscrever como indivíduo, porque só seriam aceitas inscrições antecipadas para "sociedade civil organizada". Relevei e fui conversar com amigxs que já estavam por ali. Por volta das sete, Claudinei, o secretário municipal que coordenaria a conferência apareceu por lá para avisar que ia tomar um banho em casa e já voltava. Aguardaríamos.
A conferência estaria dividida em duas partes: na noite de quinta-feira, quatro palestrantes (não anunciados antecipadamente) falariam sobre os temas da conferência - acesso a informação e dados públicos; mecanismos de controle social e engajamento; conselhos de políticas públicas e combate à corrupção. Na manhã seguinte, seriam formados grupos de trabalho para debater cada um dos temas e elaborar propostas. E à tarde as propostas seriam debatidas em plenária e votadas.
A conferência só começou às oito, depois que o prefeito e uma grande quantidade de funcionários da prefeitura haviam chegado. Seguiu-se a praxe dos eventos públicos recentes em Ubatuba: hino nacional, hino da cidade, falas curtas do prefeito e de seu chefe de gabinete (e provável candidato à sucessão). Falaram sobre democracia, sobre o portal da transparência da cidade e sobre o plano nacional de transparência e controle social.
Claudinei explicou o funcionamento da conferência, e passou a palavra aos palestrantes.
Eu imaginava que trariam nomes com alguma relevância nos temas tratados. Me decepcionei. O primeiro tema, acesso a dados públicos, seria apresentado por Alessandro, assessor de TI da prefeitura. Em vez de debater o tema, expor conceitos e problematizar questões, ele se limitou a exibir o que a prefeitura já vem fazendo em seu portal de transparência. Comentou também sobre a dificuldade em conciliar um legado volumoso de software ultrapassado com as exigências do TCU e de outras instâncias regulamentadoras (em especial a AUDESP). Não me surpreendeu que muitos links fossem para arquivos .DOC. Exatamente quando ele ia exibir os dados, o sistema estava em atualização - testei mais tarde e estava funcionando bem.
Sobre a segunda palestra, teoricamente falando de mecanismos de controle social, eu prefiro nem comentar. O terceiro foi Tiago Penha, presidente da OAB de Ubatuba, com uma aulinha sobre tipos de corrupção, medidas de prevenção, etc. Bem didático, apesar de gago (fato que ele mesmo trata felizmente com bom humor). Nada de muito novo, mas pelo menos não desviou tanto do formato quanto o que veio antes dele. O formato aulinha foi adotado também por Claudinei para falar sobre o último tema, atuação dos conselhos de políticas públicas.
Ao longo da noite, ficamos sabendo de mais alguns problemas na Conferência: a composição dos grupos de trabalho seria definida pelos organizadores (a prefeitura). Afirmaram (sem apresentar nenhuma comprovação) de que os nomes tinham sido selecionados aleatoriamente, "pelo computador". Em outras palavras: não teríamos a liberdade de escolher de qual grupo de trabalho participaríamos. Disseram que era para evitar que algum grupo ficasse vazio, um pretexto inaceitável. Ouvi também que somente os representantes da sociedade civil (aqueles cadastrados na semana anterior) teriam direito a voto.
Na manhã da sexta, fui novamente à Escola Anchieta. Descobri que por sorte (afinal ninguém ali me conhecia) haviam me colocado no primeiro grupo, acesso a dados públicos, o que tem maior relação com tecnologia. O grupo seria relatado pelo assessor de TI da prefeitura, Alessandro. Ele começou a conversa, falando mais uma vez sobre as medidas que a prefeitura já estava tomando. Pedi a palavra pra sugerir que tratássemos de maneira mais distanciadas as questões, e nos concentrássemos em elaborar propostas que fizessem sentido para a conferência municipal e para as subsequentes conferências estadual e nacional. Precisei insistir um pouco para tratarmos a experiência prática do Alessandro como um caso específico, dentro das possibilidades que a prefeitura tem hoje em dia (e realmente, o trabalho é pesado e difícil de realizar - ainda mais com equipe reduzida e infraestrutura limitada). Mas que era bom irmos mais a fundo. Sugeri que não deveríamos falar somente sobre quanto a prefeitura gastava em cada coisa, como também como e por quê.
Seguiu-se um debate interessante sobre dados que deveriam ser publicados, e como. Alessandro contou que estão implementando o acompanhamento eletrônico de pregões, inclusive com transmissão da abertura de envelopes ao vivo pela internet. Beto Francine sugeriu que se publicassem na internet também informações sobre a atuação dos conselhos de políticas públicas: composição, datas, deliberações, etc. Eu falei sobre a Transparência Hacker, sobre padrões abertos, sobre APIs e outros tipos de dados que a cidade gera. Surgiram propostas de que se publicasse o memorial de cada obra realizada - que eu ampliei, sugerindo que cada obra realizada, compra efetuada ou serviço contratado tivesse uma página com endereço permanente, onde se publicassem tudo que fosse possível: processo de decisão, licitação, eventuais laudos técnicos ou ambientais, eventuais processos judiciais, georreferenciamento e espaço para comentários da população. Um permalink de tudo que a administração pública faça. Comentei que a realização disso deve ser inviável hoje em dia, mas que podemos projetar o que queremos para os futuros possíveis. Eu elaborei uma proposta exigindo que todos os dados disponibilizados pela administração pública usassem protocolos livres e abertos. Gastei dois segundos para argumentar que nem o PDF nem o XML da Microsoft serviam para isso. Mais tarde repensei e coloquei em discussão a sugestão de que essa proposição fosse diluída em todas as outras - ou seja, que todas as propostas que saíssem do nosso GT incluíssem a exigência de publicação em formatos livres e abertos. Todos aceitaram.
Eu tinha outros compromissos para a tarde, e também não teria direito a voto - então não participei do restante da Conferência. No fim das contas valeu pelo contato com as pessoas e pela possibilidade de influenciar minimamente o processo em favor das tecnologias abertas e livres. Foi importante também pela decepção com a condução do processo, para lembrar que a política na vida real é permeada de interesses mesquinhos, disputas pesadas por qualquer espaço de poder e muita desinformação intencional. Outros relatos confirmam essa minha impressão: de Elias Bastos Leopoldo Guerra e do Beto Francine. É uma pena que essas cenas se repitam em todo lugar (como Mbraz acabou de relatar sobre Osasco).
Atualizando: também é muito interessante navegar pela página de Ubatuba no portal da transparência nacional.
Atualizando de novo: Hudson documentou as propostas da Conferência de Sorocaba.