Em meados de julho, passei uma semana em Olivença imerso na Oca Digital, projeto da Associação Thydewá - responsável também por outros projetos como o Índios Online, o portal Risada e outros. Sebastian Gerlic, coordenador da Thydewá, foi generoso: fez um convite aberto, para que eu levasse para lá um pouco da reflexão sobre laboratórios experimentais, sem necessidade de fechar de antemão uma pauta detalhada. Me preparei para brincar um pouco com a ZASF e ver o que mais acontecia por lá.
A Oca Digital está rolando com três turmas simultâneas, de diferentes idades e níveis de intimidade com a tecnologia. Além delas, haveria também um grupo de parentes vindos de localidades diversas que estão trabalhando em um livro de memória. O cenário de tudo isso ainda contava com o contexto social no entorno.
A razão para existência da associação e de muitos de seus projetos é a situação de luta dos Tupinambá de Olivença. Eles já foram reconhecidos há alguns anos, e desde então aguardam a demarcação do território. Frente à inércia das autoridades, há pouco tempo os caciques decidiram começar o processo de autodemarcação. Lideranças, guerreiros e juventude estão tomando a frente, retomando o território que é seu por direito. As aldeias, comunidades e áreas de retomada são dispersas em uma região ampla, e a comunicação entre elas acontece principalmente através das estradas (de terra). Celulares e internet ainda alcançam muito pouco do território. Com a atração pela vida urbana, muitxs jovens têm pouco conhecimento do território, marcos importantes e disputas.
Ao longo dos dias seguintes eu decidi me concentrar em duas linhas: por um lado fazer experiências, conversar e mostrar coisas relacionadas a internet, autonomia, redes e serviços locais; e por outro explorar alguns aspectos de geografia experimental, mapas e cartografia.
Aproveitei para aprimorar um pouco mais a ZASF - instalei com sucesso um servidor Icecast, e montei uma rádio local de teste - que consegui acessar pelos smartphones do projeto via wifi. Fiz um monte de testes com outras coisas - servidores DLNA/uPNP, diferentes soluções de voz (sem muito sucesso por enquanto). Depois, repliquei alguns dos serviços na rede local - instalei um servidor LAMP, samba, ushare, icecast e outras coisas.
Pra trabalhar com mapas, decidi repetir o que havíamos feito em Santarém ano passado: projetar um mapa online sobre um papel colado na parede, e fazer o pessoal desenhar seu próprio mapa. No processo fomos descobrindo pontos importantes da região, espaços em disputa, conquistas aparentemente consolidadas, etc. Debatemos também sobre o que são os mapas, a que (e a quem) servem, e quem pode ter acesso a eles. Levantamos a questão sobre a natureza dúbia do mapa cidadão, que pode ser utilizado como ferramenta de identidade ao mesmo tempo em que pode oferecer de mão beijada informações importantes para os adversários. Sobrepusemos um mapa que alguém havia recebido do ISA, indicando o que deveria ser a terra dos Tupinambá de Olivença, e pudemos perceber o quanto ainda precisa ser feito. Contamos com o conhecimento de terreno de gente importante como o Jaborandy, que está construindo a ponte entre tecnologias novas e tradicionais. Constatamos que as estradas estavam marcadas no lugar errado, nos mapas digitais corporativos. Fizemos o traçado correto no mapa na parede. Também percebemos que Olivença nem constava nesses mapas. O nome está lá, mas não existe nenhuma rua. Felizmente, existe o Openstreetmap. Saímos à rua para registrar os caminhos com o GPS dos smartphones do projeto. Percorremos algumas ruas de Olivença, fizemos anotações, conversamos com as pessoas. De volta ao lab, subimos as trilhas para o josm, identificamos e tagueamos as ruas. E pronto: Olivença está no mapa!
Ainda tive a oportunidade de participar um pouco do processo que o Angel estava desenvolvendo com os alunos - produzindo vídeos, músicas e relatos. Participei também de algumas conversas com o grupo que trabalhava no livro - sobre formatos de publicação online, licenças livres e mapas.
O tempo foi curto, mas deu pra ter uma noção de coisas que precisam ser feitas. A relação da Thydewá com os Tupinambá também deu inspiração para novas investidas na ZASF - é um caso concreto de aplicação potencial de redes autônomas bem estruturadas.
Quero agradecer mais uma vez ao convite feito pela associação e todo o pessoal. Fui muito bem acolhido e me senti em casa. Voltei até um pouco mais pesado, porque as refeições eram fartas e frequentes ;) Espero retornar e pôr em prática a ZASF no território tupinambá...
Awere!
(fotos de Helder Câmara Jr)